Audiência pública em Presidente Getúlio discutiu a situação dos produtores de leite no Alto Vale do Itajaí
Marcelo Zemke
Nas últimas semanas, as importações de leite e derivados têm motivado um debate sobre seus impactos para o mercado nacional. Isso porque, no primeiro semestre de 2023 as importações de produtos lácteos, vindos majoritariamente da Argentina e do Uruguai, aumentaram mais de 180% na comparação com o mesmo período de 2022. Em Santa Catarina, dada a importância socioeconômica da produção leiteira, o tema mobilizou representantes de diferentes setores da cadeia produtiva.
Em Presidente Getúlio, que uma das maiores bacias leiteiras do Alto Vale do Itajaí e a segunda maior bacia de Santa Catarina- produzindo em média de 22 milhões de litros de leite por ano e 60 mil litros diários. Muitos produtores estão apreensivos, que além de lidarem com preço da manutenção da produção, insumos e financiamentos, agora tem que se preocupar com produtos mais baratos vindos de países vizinhos.
O Brasil importou quase 70 mil toneladas de leite, creme de leite e laticínios (exceto manteiga ou queijo) no primeiro quadrimestre deste ano, de acordo com informações da plataforma ComexStat, do governo federal. O volume é mais que o triplo das importações do intervalo entre janeiro e abril do ano passado, que somaram 21 mil toneladas.
Produtor relata preocupação
Adriano Henkel, produtor da Comunidade de São José em Presidente Getúlio conta que mantém uma produção diária de 900 litros por dia.
Ele relata que a família trabalha na produção leiteira há três gerações e conta que uma das principais dificuldades dos produtores está no preço final do produto, que está em R$2,40 por litro. “Eu trabalho desde que eu nasci e a principal dificuldade sempre esteve no preço. Agora há a competividade desleal, pois, o produto de fora é mais barato. A moeda de nossos vizinhos é mais fraca. Não dá para comparar os nossos custos com o deles”, diz Henkel.
Ele avalia que há falta de incentivos por parte do governo para os pequenos produtores e isso acarreta em uma cadeia econômica inteira prejudicada. “Não há lógica para que o nosso governo está fazendo com nossos produtores. Se o agricultor do Brasil vai bem, o país vai bem. Se o agricultor vai mal e não consegue vender seu produto, ele não consegue investir em sua propriedade, aumentar a produção e gerar renda para família e movimentar o comércio local”, explica.
Ele fez um apelo para que os governos incentivem os pequenos produtores. “Somente este mês, vou deixar de receber R$5,5mil. Se ir somando desde o início do ano, desmotiva”, lamenta o produtor.
Audiência reúne produtores do Alto Vale
FOTO: Rodolfo Espínola/Agência AL
As críticas ao governo federal e à importação de leite de países do Mercosul marcaram a audiência pública realizada na segunda-feira (4) pela Comissão de Agricultura e Política Rural da Assembleia Legislativa em Presidente Getúlio. O encontro, solicitado pelo deputado Oscar Gutz (PL), discutiu as dificuldades enfrentadas pelos produtores de leite do estado.
Os produtores enfrentam dificuldades com a redução do preço do leite e atribuem essa queda à importação do produto de países do Mercosul, que aumentaram mais de 180% neste ano em comparação com o mesmo período de 2022. “Queremos que o governo federal barre a importação do leite”, pediu o vereador e produtor de Rio do Oeste Silvio da Silva, o Silvinho. “Pedimos socorro, estamos com muito medo de amanhã nossos jovens abandonarem o campo.”
“O leite que vem de fora vem subsidiado pelo país de origem e no Brasil, somos nós que subsidiamos o governo”, afirmou a agricultora familiar Fabiana Gonçalves Henckel. “Ficamos fora de todos os subsídios, não temos nenhum apoio no período em que a produção de leite cai.”
O produtor Luciano Schmitz defendeu a imediata paralisação das importações. Ele afirmou que os produtores de leite estão prestes a falir. “Se o produtor parar, ele não tem como voltar atrás depois”, comentou Schmitz, que também pediu a redução do imposto de renda pago pelo produtor primário.
“Nossa situação não é boa. As contas não fecham nem para pagar as despesas com a produção, não sobra nada para manter a família, a propriedade. Nosso nome vai ficar sujo. Ou isso muda, ou vamos todos à falência”, completou o agricultor Nelson Stein.
O produtor João Gabriel alertou que uma eventual quebradeira dos produtores vai impactar em toda a economia do estado, já que os fornecedores das propriedades rurais também serão prejudicados. Ele afirmou que o setor está sendo retaliado pelo governo federal. “Querem acabar com o nosso modelo de agricultura familiar, que serve de exemplo para o país.”
O secretário-geral da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Santa Catarina (Fetaesc), Adriano Gelsleuchter, defendeu a implantação de uma política de compensação para os produtores. Já o produtor rural e ex-prefeito de Rio do Campo Rodrigo Preis pediu que o governo estadual ajude os produtores com os exames de brucelose e tuberculose, além de cobrar o fortalecimento da Epagri e a atualização, por parte do governo federal, da tabela do imposto de renda.
Proponente da audiência em Presidente Getúlio, o deputado Oscar Gutz defendeu o controle da importação de leite, além da disponibilização de linhas de crédito subsidiadas para os produtores, renegociação das dívidas e redução de impostos. “Nossa luta não é fácil, mas não vai parar. Os deputados não têm a caneta para resolver essas coisas, mas vamos lutar por isso”, disse.
O presidente da Comissão de Agricultura da Alesc, deputado Altair Silva (PP), defendeu a revisão do acordo com o Mercosul com relação à importação de leite dos países vizinhos. “Quando esse acordo foi feito, o Brasil não era autossuficiente em leite. Hoje, já temos condições de exportar”, argumentou.
O parlamentar afirmou que vai buscar reunião com a bancada federal catarinense para pressionar as autoridades em Brasília. “O governo federal está fazendo cara de paisagem. Para ele, é bom que o leite esteja barato, mas está se esquecendo de quem produz e pode quebrar.”
O 1º vice-presidente da Assembleia, deputado Mauricio Eskudlark (PL), afirmou que o governo federal está sacrificando o agricultor e o Estado de Santa Catarina. “Estamos muito preocupados com a situação dos produtores de leite. Sabemos que as decisões cabem ao governo federal, mas entendemos que essas audiências são importantes para buscarmos as providências necessárias”, completou.
Participaram da audiência em Presidente Getúlio representantes da Secretaria de Estado da Fazenda, Epagri, Cidasc, Secretaria de Estado da Agricultura, de cooperativas da região, além de autoridades dos municípios de Presidente Getúlio, Rio do Oeste, Ascurra, José Boiteux, Dona Emma, Imbuia, Salete, Major Vieira, Agrolândia, Guabiruba, Major Gercino, Rio do Sul, Ibirama, Petrolândia, Vidal Ramos, Witmarsum, Apiúna e Chapadão do Lajeado.