Com aprovação, marco temporal segue para o Senado

FOTO Marcelo Zemke/Arquivo
Por Marcelo Zemke
Apesar da mobilização das comunidades indígenas e da articulação política governo amargou mais uma perda na Câmara, resultando em um primeiro alívio para as mais de 800 famílias de agricultores da região do Vale Norte. Por 283 votos a 155, os deputados aprovaram na quarta-feira, 30 o texto-base do projeto de lei que estabelece um marco temporal para terras indígenas. Após a análise de destaques, o texto segue para o Senado. O PL define 1988, ano em que a Constituição foi promulgada, como marco para demarcação de terras indígenas.
O agricultor com propriedade na Serra da Abelha em Vitor Meireles, Francisco Jeremias, o Chico, destaca que o clima ainda é de ansiedade entre as famílias, mas que estão confiantes em relação ao resultado no dia 7 de junho.
Ele lidera um movimento junto aos agricultores. “Acredito que os ministros não vão mudar uma lei que irá desestabilizar o direito de propriedade de todos, pois se isso acontecer, haverá insegurança jurídica. Vimos que há uma mobilização em todo o país para a manutenção do Marco Temporal”, disse ao JVN.
Chico, que, nasceu na pequena propriedade herdada de seu pai, também é produtor de leite, e a família cria ainda suínos e aves. Nela, moram sua esposa, filhos e netos. Apesar do atual governo se posicionar a favor da derrubada do marco, ele diz estar confiante com a opinião pública compreendendo a situação do agricultor e da agricultura familiar. “Se derrubar esta tese, vai virar um caos. Nossas escrituras serão jogadas fora”, disse.
O PL é uma resposta a um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que avalia na semana que vem um recurso para impedir o marco temporal, estabelecido por entendimento anterior do próprio tribunal. O governo tentou convencer o STF a adiar o julgamento e retardar também a votação, mas falhou nas duas frentes. Pelo menos três partidos da base, PSD, PSB e MDB foram a favor do projeto. O texto deve passar por comissões antes de ir ao plenário no Senado.
Chico, que participou da audiência pública promovida pela Alesc no início do mês. Ele lembra que a Terra Indígena Ibirama Laklaño foi criada pelo Estado de Santa Catarina em 1926 e o limite da área, com 14 mil hectares, foi fixado em 1952 em comum acordo com o Serviço de Proteção ao Índio. “As terras de nossos índios foram demarcadas em 1926. Há quase cem anos, o agricultor sempre respeitou as escrituras e sempre viveu em harmonia com os índios. Temos escrituras públicas do século passado que compravam que nenhum agricultor invadiu estas terras. Ter uma escritura de 100 anos e dizer que não mais seu é muito triste”, avaliou Francisco Jeremias. Só em Vítor Meireles, há 809 cadastros de produtores familiares.

Lideranças da Terra Indígena Laklãnõ estão em Brasília
Foto Marcelo Zemke

Na quarta-feira, 30, a comunidade indígena realizou uma mobilização em José Boiteux para chamar a atenção para a PL 490/07. Com cartazes, eles pediram a derrubada da tese, para que a terra indígena seja ampliada para 37mil hectares.
O cacique da aldeia koplen (Barragem), Livai Paté, que mediou a mobilização no dia, disse que a intenção dos indígenas é de ser ouvido. “Não viemos aqui para confrontar, mas para dizer que também somos donos desta terra. Queremos o que foi proposto no estudo antropológico. Não queremos confronto, como incitou um deputado de SC. Nós não somos invasores”, disse, pedindo a demarcação de terras.
O cacique presidente da Terra Indígena Ibirama Laklãnõ Tucun Gakran, já está em Brasília (DF), para acompanhar a votação junto com outras 150 lideranças indígenas. “Na verdade, somos vítimas. Se até criminosos têm direito de se defender, nós também temos o direito de reivindicar. Por mais que somos poucos que sobraram dos massacres, nós vamos lutar. Além do Alto Vale, vamos fazer mobilizações em Brasília. Junto ao meu povo e parentes de todo o Brasil, vamos lutar. Não vamos abaixar a cabeça”, disse o cacique ao JVN.
Gakran revela que pelos 300 membros da comunidade Xokleng para a mobilização no dia 7 em Brasília. “O povo xokleng é protagonista deste processo. Vamos lutar contra a manutenção do Marco Temporal”.
O julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, processo que envolve um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Santa Catarina, contra a comunidade Xokleng da Terra Indígena (TI) Ibirama-Lã Klãnõ, também habitada por comunidades Guarani e Kaingang. O caso ganhou status de repercussão geral no Supremo e terá efeitos para as demarcações de terras indígenas de todo o país. “A gente vem lutando desde a década de 1990. Sabíamos que a terra era do povo, mas foi tomada pelo estado de Santa Catarina. À época, os nossos caciques não tinham muito conhecimento sobre a situação. Mas, na metade dos anos de 1990, o povo começou a se organizar para começar a fazer a retomada. Se a gente não tiver direito ao que está na Constituição, tememos perder o que é nosso. Ficamos angustiados de ver a demora da Justiça para retomar e encerrar esse julgamento”.
A TI Ibirama-Laklãnõ está localizada entre os municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, Vitor Meireles e José Boiteux, tem um longo histórico de demarcações e disputas, que se arrasta por todo o século XX, no qual foi reduzida drasticamente.
A TI foi criada pelo Estado de Santa Catarina em 1926 e o limite da área, com 14 mil hectares, foi fixado em 1952 em comum acordo com o Serviço de Proteção ao Índio. Em 1914, quando indigenistas do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) estabeleceram um posto de atração e contato. No mesmo ano foi reservada uma área de 40 mil hectares para o povo, que por conta do impacto gerado pela Barragem Norte, reivindica os 37 mil hectares destas terras.
O caso em disputa

A TI Ibirama-Laklãnõ está localizada entre os municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, Vitor Meireles e José Boiteux, tem um longo histórico de demarcações e disputas, que se arrasta por todo o século XX, no qual foi reduzida drasticamente. Foi identificada por estudos da Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2001, e declarada pelo Ministério da Justiça, como pertencente ao povo Xokleng, em 2003. Os indígenas nunca pararam de reivindicar o direito ao território.
Em 2019, o povo Xokleng foi admitido pelo relator do caso, o ministro Edson Fachin, como parte no processo, por ser diretamente afetado pela decisão a ser tomada nesta ação. A admissão foi considerada uma importante vitória para os povos indígenas, que lutam, há anos, pela efetivação do direito de acesso à justiça garantido a eles na Constituição Federal de 1988.
Em Vitor Meireles, a ampliação da reserva indígena envolve as comunidades de Santa Cruz dos Pinhais, Campo Lençol, Serra da Abelha I e II, Rio Denecke I e II, Tifa da Paca, Ribeirão das Frutas, Barra da Prata, Pratinha, Rio Bruno, Alto Rio Bruno. Em Itainópolis estão Rio Toldo e Bom Sucesso, e em Doutor Pedrinho está em disputa a localidade de Alto Forcação. Já em José Boiteux, a ampliação engloba parte da Serrinha, Barra do Dollmann e Palmeirinha.
Cronologia histórica
1914: Serviço de Proteção aos Índios promoveu a pacificação dos índios Xokleng Passaram a se estabelecer em regiões próximas a faixa de terras concedidas à Sociedade Colonizadora Hanseática Ltda. que, de sua sede em Harmonia – SC (hoje Município de Ibirama).
03/04/1926: edição do Decreto Estadual n.15, (aproximadamente 20.000 ha). Determinou a demarcação das terras
05/11/1952: um acordo celebrado entre o Estado de Santa Catarina e o Serviço de Proteção ao Índio redefine os limites da reserva, que passa a ter área de 14.156,50 ha. Esta área teve seu título dominial transcrito no Cartório de Registro de Imóveis de Ibirama sob n. 21.150 (fls. 159, Iv. 31);
1987: empresa Aerodata foi contratada para realizar novo mapeamento, e apresenta memorial descritivo cuja área restou definida em 14.084,80 ha.
1995: índios “ocupam” a localidade de Palmeirinha, área contígua à reserva demarcada. Área próxima à Barragem Norte
10/05/1995: FUNAI constitui Grupo Técnico para reestudo dos limites. 15.02.1996: demarcação da Reserva Indígena de Ibirama, foi homologada por Decreto de 15/02/1996 pelo Sr. Presidente da República.
05/11/1999: a FUNAI, através da Portaria n. 923/PRES de 02/10/97, deflagrou novo procedimento demarcatório. Através do Despacho n. 070 decidiu aprovar as conclusões dos trabalhos antropológicos, ampliando a reserva dos atuais 14.000 ha para 37.108 ha.
13/08/2003: pela Portaria n. 1.128 o Sr Ministro da Justiça houve por bem “Declarar de posse permanente dos grupos indígenas Xogleng, Kaigang e Guarani a Terra Indígena Ibirama – La Klânõ, com superfície aproximada de 37.108 ha e perímetro aproximado de 110 km”.
22/06/2004 Decisão Liminar Suspendeu a Demarcação da TI até o Julgamento.
2009 – Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Fatma) ingressa com Ação de Reintegração de Posse em face da Funai e dos Laklãnõ-Xokleng para reaver área que reivindicava para fins de manutenção de Rebio estadual.
18 de abril de 2015 – Cerca de 300 Laklãnõ-Xokleng impedem acesso de trabalhadores à Barragem Norte
11 de abril de 2019 – STF publica o reconhecimento da repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que discutiu uma reintegração de posse movida contra o povo Xokleng.
13 de maio de 2019 – Comunidade Laklãnõ-Xokleng é admitida como parte em processo de repercussão geral no STF.
08 de outubro de 2019 – O povo Laklãnõ-Xokleng, em manifestação escrita ao STF, defende que o direito dos povos indígenas à demarcação de suas terras tradicionais é originário e, por isso, não pode ser limitado por nenhum marco temporal.
06 de maio de 2020 – STF suspende processos judiciais que impedem demarcação de terras indígenas.