Cláudio Ávila da Silva, ex-presidente da Infragás (Infraestrutura de Gás para a Região Sul), avalia a importância do gás natural para a indústria catarinense e fala sobre os desafios da nova gestão da empresa.
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Após 14 anos na presidência da Infragás, empresa acionista da Companhia de Gás de Santa Catarina (SCGÁS) e entidade que reúne os principais consumidores empresariais de gás natural no Estado, o político e vice-presidente da Portobello deixou o cargo no início de junho. Nesta entrevista especial, Cláudio Ávila da Silva avalia seu legado e os principais desafios para a nova gestão da empresa.
Qual o papel da Infragás e a importância do gás natural no processo produtivo da indústria em Santa Catarina?
Silva – A Infragás, criada em 1990, tinha como objetivo apoiar a implantação da estrutura de gás natural em Santa Catarina, especialmente a questão do gasoduto de transporte (Gasbol). O Sul do Brasil não estava contemplado na malha viária dessa infraestrutura e, naturalmente, isso representaria uma desvantagem para nós industriais. Naquela época foi feita uma série de reuniões entre empresários e lideranças do Estado, incluindo representantes do Paraná e do Rio Grande do Sul, com dois objetivos. Primeiro, conscientizar os industriais catarinenses a se disporem a usar o gás, porque você precisaria ter a justificativa da demanda para realizar incentivar o investimento. O segundo objetivo era o trabalho junto às entidades que definiam a implantação do gasoduto, como Governo Federal, Petrobras, entre outros. Precisamos mostrar que o gás natural era importante para nós melhorarmos a qualidade dos produtos catarinenses.
Qual a avaliação sobre seu período de gestão na Infragás e qual será seu papel daqui para frente, assim como o papel da nova gestão?
Silva – Na minha administração como presidente do Conselho, foi possível fazer um trabalho muito consultivo. Todas as decisões tomadas no âmbito da Infragás foram tomadas pelo Conselho de Administração da empresa, que é representada pelos principais consumidores de gás do Estado. Então, nós procuramos sempre uma decisão que atendesse a todos. Naturalmente, os principais objetivos eram ter o gás em preço e qualidade adequadas à produção. Então, nossa luta sempre foi ter preço competitivo porque somos empresas exportadoras. O papel da nova gestão que começa agora é, em primeiro lugar, focar na questão do suprimento. Estamos vivendo um período de certa insegurança quanto à oferta suprimento de gás. Porque nós crescemos e desejamos crescer mais e esse aumento da produção significa maior consumo de gás. Então, eu acho que um dos papéis fundamentais de todos os integrantes da Infragás é assegurar às indústrias a oferta de gás nos volumes necessário e em preços compatíveis. Um dos objetivos imediatos também é a questão do Terminal de Gás Natural Liquefeito (GNL) na Baía da Babitonga, no porto de São Francisco do Sul. Temos que tentar fazer mais rapidamente possível essa alternativa quando teríamos uma oferta adicional de gás. Um outro tema que será discutido com o novo Presidente da Infragás (o novo presidente do conselho de administração é o executivo Antônio Marcos Schroth, diretor da Oxford, de São Bento do Sul) é também a discussão sobre o atual contrato de concessão. Ele foi assinado por um período de 50 anos, em condições adequadas à época, mas o mundo evolui de forma expressiva. Então nós acreditamos que é o momento de modernizar este contrato, para haver um equilíbrio entre produtores, consumidores e transmissores de gás.
Como o gás ajuda na melhoria dos produtos industriais?
Silva – O gás tem uma grande vantagem que é a uniformidade da sua queima para a conformidade dos produtos. Antes, nós trabalhávamos hora com óleo, hora com carvão e essa variação tirava um pouco da qualidade final do produto. O gás natural, por ser mais estável, ajudava muito na fabricação da peça de cerâmica, como é o nosso caso na Portobello. Com isso, é um processo mais qualificado, um avanço tecnológico que permanece até hoje com grandes méritos, uma vez que grande parte dos produtores mundiais, nossos concorrentes, já produziam com o uso do gás natural. Além do efeito de qualidade, nós temos que destacar também a questão ambiental, que é extremamente relevante, especialmente na realidade de hoje.
Hoje a distribuição de gás no Estado atingiu, na primeira parte da concessão, um modelo maduro que abastece mais de 50% do PIB Industrial catarinense. O que significa isso na sua ótica e quais caminhos deve-se percorrer no segundo período do serviço?
Silva – Algumas empresas passaram a utilizar 100% do gás natural em sua produção, entre elas a Portobello. Não são muitas as empresas que utilizam apenas com gás natural, mas todas estão fazendo esforço para se modernizar. Isso permitiu, especialmente em uma faixa do litoral, a capacitação das empresas para migrarem para essa nova energia. E esse processo foi feito com sucesso, mas esse movimento tem que ser democrático e atingir a todas as empresas do Estado, uma vez que o interior ainda está desabastecido. Portanto, a segunda etapa da SCGÁS deve ser de expansão dos gasodutos, especialmente na sua interiorização. Santa Catarina é um estado extremamente equilibrado e temos distribuído em todas as regiões os mais variados setores que podem ser intensivos em gás. Então, eu acho que no próximo período, considerando as regras que estão estabelecidas e sendo regulamentadas no Novo Mercado de Gás, a distribuição precisa alcançar essas empresas para dar a elas também competitividade e melhoria ambiental que o litoral possui atualmente.
Como você avalia a presença e o papel exercido no Conselho de Administração da SCGÁS no seu período?
Silva – Esta particularidade, na minha avaliação, tem uma vantagem extremamente positiva, que é o fato de poder cotejar no Conselho de Administração a visão de todos os setores. Eu não vejo nenhuma incompatibilidade no fato de uma empresa como a Infragás, que representa os clientes, fazer parte dessa instância de governança. Até porque as decisões do Conselho são tomadas fruto de muita discussão, isentas, todos os conselheiros procurando maximizar o resultado da distribuidora, mas sem descuidar do contato com os consumidores. Mesmo que em alguns temas, às vezes, exista certo conflito de ideias, há oportunidade para cada um expressar sua opinião, discutir e ao fim chegar em um encontro de soluções. Naturalmente, quando os temas envolviam as empresas consumidoras, eu também opinava, mas sempre omitia o voto, nas condições em que a empresa que eu participava era objeto de análise. Eu me dava por impedido para votar, para não influir no resultado final das decisões.
Como alinhar os desafios do setor industrial numa ponta e a gestão da estratégia de uma empresa concessionária em outra?
Silva – Repito, eu não vejo conflito. Na realidade, a gestão dessas duas circunstâncias, para mim, são confluentes. Afinal, a SCGÁS pretende fazer a distribuição do gás natural na sua área de abrangência, nas melhores condições de qualidade e de competitividade. Isto inclui o preço que ela vende. Ela não pode vender por um preço exorbitante porque ela mata a galinha dos ovos de ouro, que são os clientes. Os clientes, por sua vez, buscam energia com qualidade e com preço adequado. Então, os objetivos no final são os mesmos. Além disso, qualquer decisão do Conselho, é remetida à Agência Reguladora, que tem o objetivo de avaliar os custos na distribuição para saber se eles podem ou não ser transferidos à tarifa aplicada ao mercado.
Como se configura o atual momento do setor cerâmico e quais os desafios para o futuro em um cenário pós-pandemia? Considerando o gás natural como parceiro deste processo.
Silva – Eu devo dizer com alegria que, a par da pandemia, o setor cerâmico viveu um bom momento, pois ele está embutido na ramo da produção civil e do setor imobiliário, que cresceram durante a crise. Afinal, as pessoas ficaram mais voltadas para casa, começaram ver situações que precisam ser melhoradas, acabaram fazendo reformas. Então, houve um período de reforma e de construção muito bom, mesmo em 2020. Com isso, as vendas do setor tiveram crescimento. Aliado a isso, o Governo fez um incentivo muito grande de oferta de recursos através dos benefícios ou diminuição de juros para construção civil porque é o mercado mais democrático, que mais gera emprego. Esse cenário continua no ano de 2021. Naturalmente, isso tem um reflexo para a SCGÁS, o aumento do consumo. Então, neste momento, nosso maior desafio é assegurar a oferta de gás natural para as indústrias catarinenses continuarem crescendo. Temos que considerar que têm alguns desvios que nos preocupam. Por exemplo, a utilização do gás natural para geração térmica nas usinas a gás, em face do problema de falta de falta de água do país. Isso traz uma preocupação porque nós não estamos aumentando significativamente a oferta do insumo. O que começa acontecer é a busca e oportunidade da oferta de GNL.
Como você enxerga o processo de desinvestimento da Petrobras no mercado de gás natural, a abertura do mercado no país e a possibilidade da Infragás ter um novo parceiro na sociedade da SCGÁS?
Silva – Eu penso que esse processo é positivo. A Petrobras produzia o óleo, tirava a parcela do gás, fazia o transporte e fazia o uso nas suas usinas. Então ficou uma empresa monopolista. É verdade que ela fez importantes investimentos, mas naturalmente fez com os custos da Petrobras, o que levou o preço do gás brasileiro perder competitividade. A indústria brasileira paga hoje o dobro do preço do gás natural do que a Europa e o gás natural representa em torno de 20% do custo da produção, o que é muito elevado. Essas variações de preço têm uma influência extremamente alta no custo das empresas. Eu acho que a Petrobras fez investimentos, mas acredito que ela inibiu alguns investimentos também. Se nós tivéssemos um mercado aberto, certamente teríamos mais gasodutos no Brasil com mais competição. Então, é importante que haja concorrência e oportunidade de investidores para não termos o inverso, monopólio privado, que também é extremamente danoso para a sociedade.
Colaborou Fernanda Kleinebing
Por Rede Catarinense de Notícias