Enxurrada completa um mês

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Presidente Getúlio viveu uma das maiores tragédias de sua história e moradores buscam recomeçar  

Jor. Marcelo Zemke/JVN

Era uma noite de típica de verão, com muito calor e com a rotineira tempestade no fim do dia. No interior das casas, as famílias se preparavam para semana de Natal, com árvores e luzes fazendo parte da decoração. A única preocupação era a programação familiar para a semana seguinte, como compras e futuras visitas de amigos e parentes. Mas desta vez, uma tragédia marcaria para sempre a vida das comunidades.

Há um mês, Presidente Getúlio viveu uma das maiores tragédias de sua história, que causou a morte de 18 pessoas e alterou significativamente os aspectos geográficos do Ribeirão Revólver. O que era para ser uma noite de chuvosa de verão, se transformou em uma avalanche de terror. O saldo foi de cerca de 137 desabrigados (que perderam a casa) e ao menos 3.300 moradores foram prejudicados pelo fenômeno.

Aquela quinta-feira, dia 17 de dezembro, continua na memória de muitos getulienses e figura como uma das piores tragédias climáticas de Santa Catarina dos últimos anos.

A tempestade, atingiu também os municípios de Ibirama e Rio do Sul, e deixou um rastro de mortes maior, por exemplo, que o furacão Catarina que atingiu o Estado em 2004 e causou 11 óbitos. No Alto Vale foram 21 mortos (doisem Rio do Sul e um em Ibirama). Foram 125 milímetros em cinco horas e deslizamentos trouxeram árvores nativas e pedras gigantes deram lugar às casas.

Dada a gravidade do evento, atualmente, as marcas da destruição ainda estão presentes em toda a cidade, onde o forte odor de lodo, ainda faz parte da rotina.

Na última semana, o JVN percorreu os principais pontos do município de Presidente Getúlio, um mês após o ocorrido. O cenário ainda impressiona, mas o maior destaque é a perseverança dos moradores, que insistem em deixar tudo pronto para retomar à normalidade.

FORÇA PARA RECOMEÇAR

Em um terreno revirado por enormes pedras, cascalho e troncos, estava Ingo Wiese, que debaixo de sol forte, auxiliava na limpeza do local onde outrora estava edificada a sua casa.  As fotos da casa e do terreno vazio após a enxurrada circularam pelas redes sociais.

A casa em que viveu com esposa na rua Getúlio Vargas, sempre foi motivo de orgulho por estar sempre bem cuidada, com um jardim florido e um horta onde colhia produtos frescos para a refeições do dia-a-dia. Hoje apenas o que sobrou de um cercado, que identifica que havia um imóvel no local.

Wiese auxiliava na limpeza do vizinho, onde um caminhão cedido por uma empresa, recolhia troncos de árvores nativas trazidas pela enxurrada. “Vivo aqui há 43 anos. Só sai para servir o exército. Nunca vimos isso. Só escapamos por termos saído minutos antes quando percebemos a água na garagem. Voltei para apagar uma vela para evitar incêndio e ao sair na garagem, já estava com água no joelho. Por isso, a única coisa que consegui retirar da casa foi um isqueiro, que estava no meu bolso”, relatou.

Ele contou que em poucos minutos, toda a casa havia sido de levada pela enxurrada, restando apenas a estrutura do pavimento da garagem e o cercado. Apesar de ter escapado com vida, Wiese perdeu nove parentes.

Mais adiante, outro morador, Jean Michel, recolhia entulhos com um carrinho de mão. Ele era auxiliado por um amigo em um terreno com grandes crateras caudadas pela erosão e onde estavam expostas enormes pedras.  No lugar, antes havia uma casa, onde morava a mãe Mara Zink (66 anos), que foi uma das vítimas da enxurra. “Esperamos que as autoridades não esqueçam o que aconteceu aqui, e que não esqueçam das pessoas que ainda precisam de ajuda”, disse.

Desamparo é o sentimento da dona de casa Valquíria Priprá, 53 anos.  Ela também teve a casa levada pela enxurrada e está abrigada na casa da filha, também na rua Getúlio Vargas.  “Ainda não caiu a ficha de como tudo aconteceu. Perdemos a casa e tudo que tínhamos e não temos como recomeçar”, lamenta.

Ela relatou que viu o alagamento da porta de casa e não imaginou o que estava por vir. “Fiquei paralisada vi o alagamento e carro começou a boiar. Meu genro me puxou e vi minha casa ser levada. Perdemos o que construímos em 20 anos em cinco minutos. Fiquei em cima de um barranco e dali vimos gente pedindo socorro e não podíamos sair dali. Foi um filme de terror”.

Valquíria uma das desabrigadas que espera auxílio dos poderes públicos para recomeçar. Ela conta ainda que espera uma sinalização para saber que rumo tomar. “Não temos nem como comprar uma telha. É difícil recomeçar”, lamenta.

Acessos estão dificultados

Local onde ficava a casa de Ingo Wiese

Para o comandante dos Bombeiros Voluntários de Presidente Getúlio, a maior dificuldade ainda enfrentada, cerca de um mês após o ocorrido, é acessar algumas localidades para atender ocorrências.  Ele conta que a corporação desenvolveu um trabalho crucial no atendimento dos desabrigados e desalojados e no resgate de vítimas.

“Até no início do ano auxiliamos muito na questão humanitária, como levar água, alimentos de limpeza da cidade. Foi algo nunca registrado por nossa corporação. Tivemos bombeiros que atuaram em Brumadinho e Ilhota. Ainda hoje, a maior dificuldade eram os acessos, por causa dos deslizamentos de terra. Levamos um tempo para acessar outras localidades para fazermos um levantamento. Hoje ainda temos esta dificuldade, pois ainda temos deslizamentos de terras e pontes improvisadas, onde o caminhão não passa. Um exemplo é para acessar Dona Emma, pois teríamos que deslocar pelo interior”, relata.

Conforme ele, apesar de serem acostumados no atendimento de situações delicadas, a tragédia no município impressionou os bombeiros. “Por ser uma cidade pequena, a maioria dos bombeiros conheciam as pessoas que vieram a óbito. Sem dúvida isso nos abalou”.

Cerca de 50 pessoas permanecem desabrigadas ou desalojadas em Ibirama

Em Ibirama, ainda é difícil imaginar a força da água que invadiu e destruiu casas no Ribeirão das Pedras e no Bairro Areado. Um dos relatos mais dramáticos é do morador de Ribeirão das Pedras, José Scaravonatto- 44 anos, que morreu arrastado pela enxurrada, ao tentar salvar a família.

O saldo da enxurrada foi de 235 famílias atingidas, totalizando 750 pessoas. Dessas aproximadamente 181 ficaram desalojadas. Atualmente esse número está próximo a 50 pessoas que permanecem na casa de amigos, vizinhos ou parentes. Segundo primeiras informações, município estuda um plano de habilitação para atender as pessoas afetadas ou que por ventura forem consideradas moradoras de áreas de risco.

A limpeza destas localidades continua e as marcas ainda são presente, principalmente para quem acessa a cidade pelo Areado. Os estragos, aconteceram em todos os bairros e localidades.

Segundo o prefeito Adriano Poffo, três empresas contratadas que estão fazendo todo o trabalho de limpeza, desobstrução do ribeirão, de valas e bueiros, de construção de pontes, recuperação de estradas e demais serviços.